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ARQUITETURA DO SILÊNCIO NUM MUNDO QUE GRITA.

Por Jessica Carbone (Arquiteta e Urbanista)


Jessica Carbone é consultora de neurociências para empresas, mestre em neurociência e especialista em comportamento humano, com atuação profissional em países como Suíça, Alemanha, França e Itália. Também é certificada em branding e comportamento do consumidor pela Cornell University, em NY. Leia a bio completa no final deste artigo.
Jessica Carbone é consultora de neurociências para empresas, mestre em neurociência e especialista em comportamento humano, com atuação profissional em países como Suíça, Alemanha, França e Itália. Também é certificada em branding e comportamento do consumidor pela Cornell University, em NY. Leia a bio completa no final deste artigo.

Estou no ponto em que parei de contar quantas abas ficam abertas na minha cabeça! Talvez você conheça essa sensação. A tela do computador ainda acesa, as notificações no celular, o filho pedindo ajuda com um projeto da escola e, ao fundo, sem que a gente perceba… o som do trânsito, da sirene, da máquina de lavar. Vivemos imersos em um mundo que se move rápido demais, e onde quase tudo parece feito para capturar nossa atenção, mas quase nada nos ajuda a sustentá-la…


O que os espaços onde vivemos, trabalhamos e descansamos (será que nos permitimos descansar?!) estão fazendo com a nossa capacidade de pensar com profundidade?

Esses espaços… será que essa arquitetura pode ser projetada como “condição biológica”? O design como cura, o espaço como ferramenta de restauro!


Lembro de um projeto que tenho muito carinho, que desenvolvi para uma ONG, onde cuidamos de crianças em situações de vulnerabilidade. O ambiente era, de fato, uma ferramenta! Guiava as psicólogas para que a abordagem fosse integral, completa, entre ambiente interno e externo da criança.


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Para quem não se aprofundou nessa área, temos inúmeras pesquisas que mostram que o excesso de estímulos visuais, auditivos e informacionais altera nosso estado neurofisiológico. Ambientes urbanos intensos, como NY, de onde escrevo agora este artigo… estão ligados ao aumento da atividade na amígdala cerebral, área responsável pela detecção de ameaças, e à sobrecarga do córtex pré-frontal, área cerebral onde processamos decisões, foco e planejamento.


Se imaginar esse cenário, provavelmente vai sentir o seu pensamento desacelerando ao longo dessa imersão mental.

Essa carga constante nos leva a um estado chamado de carga alostática — um tipo de estresse crônico de fundo que vai desgastando o corpo e a mente, como uma febre baixa que nunca passa…


No cotidiano, sentimos isso como cansaço “sem explicação”, lapsos de memória, dificuldade de iniciar tarefas. A mente fica em modo raso, reativa, fragmentada. E sabe o que é pior? A gente começa a achar que esse é o normal, o “novo normal”, a fase que vai passar… e não passa.

Agora imagine um ambiente que, quando você entra, sente a luz natural filtrada por fendas estreitas, o som da água reverberando em pedras brutas, o ar úmido envolvendo o corpo como um abraço. Se imaginar esse cenário, provavelmente vai sentir o seu pensamento desacelerando ao longo dessa imersão mental. Clique nos logos e saiba mais sobre os nossos parceiros:

Esses espaços, quando são bem planejados, fazem com que a arquitetura não grite, não mostre, não se exiba como uma escultura. Ela acolhe, sustenta e silencia. Sim… silencia! Podemos sentir aquelas abas que mencionei no início fecharem… uma a uma… a cada textura, sabemos que foi pensada para que o tato se ative em vez do olhar passar correndo. O espaço conduz o corpo ao presente. E, com ele, a mente.


Temos também estudos bem embasados sobre restauração da atenção, que mostram que ambientes com elementos naturais, ritmo sensorial suave e ausência de ruído competitivo ajudam a recuperar funções executivas e até reduzem os níveis de cortisol — o popular “hormônio do estresse”, apesar de ter também outras funções.


Chegamos a um ponto onde o silêncio vira tecnologia… a beleza, uma forma de medicina… e até um design que pensa conosco (e não contra nós ou nosso desenvolvimento).


A pergunta que me move hoje é: como criar mais desses espaços, mesmo dentro das cidades? Já refleti em alguns artigos aqui e em outras redes sobre como levar essa inteligência sensorial para escritórios, escolas, hospitais e até residências… mas e a cidade em si? As grandes áreas que acolhem e abraçam a variada população? Na Europa, tive a chance de participar de projetos em que o design não era pensado apenas para agradar aos olhos, mas para sustentar o corpo e o

sistema nervoso. Não eram projetos caros, mas sim conscientes: luzes moduladas, texturas que diminuem a ansiedade, cores que não agridem o olhar, sons que mimetizam o ritmo da natureza… Era como desenhar uma pausa.


E talvez seja isso que este mundo caótico mais precise: pausas intencionais, arquitetadas com propósito.



O caos é inevitável, principalmente em uma cidade grande. Mas ele não precisa dominar. Se há algo que aprendi nesses anos entre mudanças de países, variadas cidades, crianças e projetos… é que a mente precisa de margens. E que o silêncio também se constrói.

Arquitetar bem-estar não é um luxo. É uma urgência.


E talvez, no fim das contas, o design mais sofisticado seja aquele que nos devolve a capacidade de escutar o que já estava dentro. Com calma. Com clareza. Com presença.

Porque pensar bem também é uma questão de espaço. Referências se você quiser saber mais:

● PMC, 2023. Estudo sobre formas arquitetônicas e carga alostática.

● Kaplan & Kaplan. Teoria da Restauração da Atenção.

● Nature, 2011. Estudo sobre estresse e vida urbana.


Nossa colunista: Jessica Carbone é consultora de neurociências para empresas, mestre em neurociência e especialista em comportamento humano. Com mais de 14 anos de experiência na Europa – incluindo Suíça, Alemanha, França e Itália – além de atuações no Brasil e, mais recentemente, nos EUA, onde está há seis meses, é certificada em branding e comportamento do consumidor pela Cornell University, em NY.


Diferente dos padrões repetitivos do mercado, Jessica traduz a neurociência de forma prática e provocativa, desafiando a superficialidade das tendências instantâneas. Seu trabalho une ciência e sensibilidade para transformar espaços e mentes.


Quer sair do óbvio? Acompanhe seus insights e reflexões sobre neurociência, criatividade e comportamento. Instagram : @a.jessicacarbone

 
 
 

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