QUANTO TEMPO PASSAMOS NO MESMO AMBIENTE E COMO ISSO NOS AFETA? INSIGHTS DA NEUROARQUITETURA
- Andréa de Paiva
- 2 de jun.
- 5 min de leitura
Por Andréa de Paiva (Arquiteta e Urbanista)

Quanto tempo os usuários vão passar nos projetos que criamos? Talvez os clientes passem alguns minutos no espaço de uma loja; ou os estudantes passem algumas horas por dia durante todo o ano letivo numa determinada sala de aula da escola; ou os moradores de um apartamento passem o dia todo em casa fazendo home office. O tempo de ocupação de um espaço tem uma relação direta com como ele pode nos afetar. Por isso, entender a relação entre tempo e efeito é um passo importante para aqueles que querem aplicar a NeuroArquitetura.
Sabemos que são muitas as variáveis que fazem com que o ambiente físico afete o comportamento e o bem-estar das pessoas. Entre todas elas, uma das mais importantes é o tempo de ocupação, ou tempo de exposição. Na maioria dos casos, quanto mais tempo somos expostos a um determinado estímulo, maiores são as chances dele nos afetar de maneira mais duradoura.
Quando vamos à academia querendo desenvolver nossos músculos ou quando queremos aprender um esporte, o tempo que dedicamos à essas atividades afetará diretamente o quanto elas nos transformarão. Não vai ser um treino pontual que vai transformar um aspirante a jogador em um jogador profissional. Também não vai ser um dia intenso na academia que vai deixar nossos músculos definidos. Para conseguir tais mudanças precisamos de tempo, de continuidade. Estímulos duradouros e frequentes são aqueles com maior potencial de gerar transformações persistentes.

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De fato, pesquisas em neurociência já provaram que o ambiente pode gerar mudanças físicas no cérebro, alterando principalmente as conexões entre neurônios.
No caso da arquitetura e do urbanismo, quanto mais tempo passamos num determinado ambiente e a frequência com que voltamos para ele podem interferir em como ele nos impacta. Sendo assim, habitações, locais de trabalho e cidades são exemplos de espaços que tendem a ser ocupados por muitas horas frequentemente ao longo de anos e, portanto, têm maior potencial de gerar efeitos mais duradouros nos seus usuários.
Por exemplo, passar um dia em casa pode ser útil para diminuir os níveis de estresse e relaxar (efeito de curto prazo), mas passar meses quase sem sair de casa, como aconteceu durante o período mais crítico do isolamento social em 2020, pode ser prejudicial para a saúde física e mental. De fato, pesquisas em neurociência já provaram que o ambiente pode gerar mudanças físicas no cérebro, alterando principalmente as conexões entre neurônios.
No caso de ambientes pobres em estímulos físico-sensoriais, os efeitos no cérebro são perda de volume em algumas áreas, resultante principalmente da diminuição e do enfraquecimento das sinapses.
Voltando ao exemplo do treino, ainda que um único dia na academia não sirva para definir os músculos, não significa que nós não seremos afetados por ele. Com certeza a atividade metabólica vai ser impactada, o corpo vai suar e gastar energia e, depois do treino, além de sentir fome para repor as energias gastas, provavelmente no dia seguinte os músculos ficarão doloridos. Ainda assim, pode-se dizer que estes efeitos são, em sua maioria, pontuais e de curta duração.
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Quando tratamos do ambiente físico, ocupações mais rápidas também tendem a gerar reações mais imediatas, que não são duradouras. Elas acontecem principalmente para ajudar os indivíduos a se adaptarem enquanto ainda estão no espaço que desencadeou a mudança. Essas alterações incluem variações nas emoções, na memória de trabalho, nos níveis hormonais, na frequência cardíaca, na condutância da pele, na pressão arterial, na temperatura corporal e na tensão muscular.
Uma pessoa que entre numa loja no shopping, por exemplo, pode ser impactada pela altura do pé-direito do ambiente que pode estimular estado mental mais analítico ou mais imaginativo; pela iluminação que pode direcionar seu olhar e deixá-la mais relaxada ou atenta; pelo som que pode influenciar seu ritmo, suas emoções e sua escolha de produtos; pelo cheiro que pode ativar memórias afetivas e influenciar na tomada de decisão; entre outros. Estes efeitos, porém, persistem principalmente durante a ocupação do espaço que os desencadeou, que, no caso do consumidor na loja, não passa de algumas horas. Em outras palavras, tais reações não persistem por muito tempo após a desocupação do ambiente que as desencadeou, dado que a exposição ao espaço foi pontual.
Vale destacar que o mesmo lugar que é de curta ocupação para determinados grupos de usuários, pode ser de longa ocupação para outros grupos. No caso da loja, para o consumidor este é um espaço de curta-ocupação, porém ele é de longa ocupação para a equipe que trabalha ali. Sendo assim, o tempo médio de ocupação deve ser sempre considerado por ambiente e por grupo de usuários. Ele dificilmente será o mesmo para todos.
Em resumo, os efeitos da arquitetura não dependem apenas das características físicas do espaço. Existem outras variáveis importantes a serem consideradas e, entre elas, destacamos aqui o tempo e a frequência da ocupação. Uma ocupação curta, na maioria dos casos, resulta em uma adaptação mais imediata - mas menos permanente. Por outro lado, uma ocupação longa e frequente pode resultar em uma alteração complexa e estrutural que dura mais tempo. Nesse sentido, recomendamos que a aplicação da NeuroArquitetura leve em consideração também o tempo médio de ocupação que os diferentes grupos de usuários apresentam para cada ambiente. Esta pode ser uma importante estratégia de apoio à tomada de decisão para arquitetos e designers.
Este artigo foi inspirado no artigo científico que publicamos juntamente
com o psicólogo Richard Jedon, da Eindhoven University of Technology.
Referência:
PAIVA, A., JEDON, R. (2019) Short- and long-term effects of architecture on
the brain: Toward theoretical formalization. Frontiers of Architectural
Research. Volume 8, Issue 4, December 2019, Pages 564-571
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Nossa colunista: Andréa de Paiva é idealizadora do NeuroAU, membro do Conselho da Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA) e vice-chair do ANFA Chapter Brazil.
Andréa é Master of Arts pela Middlesex University em Londres e arquiteta e urbanista pela USP (Universidade de São Paulo). Tentando unir pesquisa, educação e design em seu trabalho, seus interesses de pesquisa envolvem o campo interdisciplinar da ciência cognitiva aplicada à arquitetura e ao urbanismo, bem como a teoria da arquitetura, a fim de compreender melhor como o ambiente físico pode afetar os indivíduos e a sociedade. Os principais tópicos de sua pesquisa incluem efeitos de curto e longo prazo do ambiente físico; enriquecimento ambiental e plasticidade cerebral; como o espaço afeta a memorização de experiências; restauração cognitiva; e a experiência multissensorial do ambiente.
Andréa é coordenadora do curso de Interiores & Neurociência: design focado em pessoas no IED (Istituto Europeo di Design), e também ajudou a criar e coordenar cursos de neurociência aplicada aos negócios na FGV (Fundação Getulio Vargas) e, na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), criou o curso Neurociência Aplicada a Ambientes e Criação, que completou sua 10ª edição em 2022.
Certificada em Design Thinking pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) de Boston, Andréa também é consultora de NeuroArquitetura, tendo prestado consultorias no Athié Wohnrath (um dos escritórios de arquitetura de maior sucesso do Brasil segundo a Forbes, 2016), onde se envolveu com a aplicação da NeuroArquitetura em diversos projetos escolares e corporativos. Ela também foi consultora da FGV, o melhor think tank da América Latina segundo o Global Go To Think Tanks Index (2020) e é colaboradora convidada da pesquisa sobre como o design afeta o comportamento, desenvolvida pelo DPArchitects em Singapura/Londres e financiada pelo Design Singapore Council.
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