[Parte II] DESIGN INCLUSIVO E REGENERATIVO: PROJETANDO AMBIENTES PARA IDOSOS E NEURODIVERSOS
- Lorí Crízel
- 17 de mar.
- 7 min de leitura
Por Lorí Crízel (Arquiteta e Urbanista)

Continuação do artigo anterior: Portanto, os princípios do Aging-Design, Gero-Design e neurodiversidade concentram-se em aspectos como a mobilidade, a segurança, o acolhimento, a geração de pertencimento e o conforto, com uma ênfase particular na manutenção da autonomia dos indivíduos. Ou seja, a experiência humana tendo sua validação efetiva enquanto inclusão, não como um discurso, mas como um fator de respeito e reconhecimento.
Um trabalho notável neste campo pertence a Edward Steinfeld e Jordana Maisel, que em sua obra "Universal Design: Creating Inclusive Environments" (2012), exploram extensivamente os princípios do design universal e sua aplicação na criação de espaços que são acessíveis e confortáveis para pessoas de todas as idades e habilidades. Eles argumentam que o design inclusivo não apenas beneficia os idosos, mas também toda a população, ao criar ambientes mais flexíveis, seguros e utilizáveis, incluindo os neurodiversos.
Um contribuinte significativo para o entendimento de como o design pode impactar na qualidade do envelhecimento é a pesquisa de Jon Pynoos, Rosemary Blieszner, e Lynn M. Beattie em "Aging in Place: Designing, Adapting, and Enhancing the Home Environment" (2018). Eles oferecem significativas abordagens sobre como as adaptações no lar podem suportar o envelhecimento no lugar, permitindo que os idosos mantenham sua independência e qualidade de vida em um ambiente familiar.
A aplicação prática desses conceitos vai além das residências, estendendo-se a espaços públicos, centros de cuidados e comunidades de vida assistida. O design biofílico, por exemplo, que integra elementos naturais nos ambientes construídos, tem sido identificado como tendo benefícios particulares para a saúde mental e física dos idosos. Estudos como os de Stephen R. Kellert, Judith Heerwagen, e Martin Mador em "Biophilic Design: The Theory, Science and Practice of Bringing Buildings to Life" (2008), destacam como a conexão com a natureza pode melhorar o bem-estar geral, especialmente importante para a população idosa.
Nesse cenário, os princípios de design inclusivo e regenerativo representam uma evolução crucial no campo da arquitetura e do design de interiores, visando criar espaços que atendam às necessidades de todos os usuários. Estes princípios enfatizam a importância de considerar a diversidade das experiências sensoriais e cognitivas dos indivíduos, integrando soluções que promovam acessibilidade, segurança e conforto.
Clique nos logos e saiba mais sobre os nossos parceiros:
Um dos conceitos mais influentes que contribuíram para a ampliação do design inclusivo é o já citado design biofílico, visto que este busca reconectar os ocupantes dos espaços com a natureza. Como este conceito, fundamentado nas obras de Edward O. Wilson em "Biophilia" (1984), discute a afinidade inata dos seres humanos pela natureza, o mesmo inaugura o desenvolvimento de um outro conceito chamado de Design Salutogênico. Este último tem sua atuação focada na promoção da saúde e bem-estar através do ambiente construído, estendendo-se, atualmente, para além dos espaços de saúde, chegando a influenciar o design de residências, locais de trabalho, espaços de entretenimento, entre outros, justamente pelas questões de neurodiversidade e condicionantes quanto ao envelhecimento. Portanto, sua integração no cotidiano demonstra como ambientes que incorporam tais estratégias podem apresentar um impacto significativo no bem-estar físico e mental.
No âmbito atual da arquitetura e do design, a neuroarquitetura, juntamente com os princípios aqui mencionados, tem como um dos projetos emblemáticos nesse sentido o St. Olavs Hospital, na Noruega, projetado pelo escritório Nordic Office of Architecture. O hospital é reconhecido por integrar o design salutogênico com estratégias biofílicas como o emprego de luz natural, áreas verdes e materiais naturais, para criar um ambiente terapêutico para pacientes e funcionários. A inclusão de espaços verdes internos e externos visa promover a recuperação dos pacientes, oferecendo áreas tranquilas para relaxamento e contemplação. Avaliações sobre o impacto desse design no bem-estar dos usuários indicaram uma redução significativa nos níveis de estresse tanto dos pacientes quanto do corpo clínico e administrativo, evidenciando a eficácia do enfoque aplicado.
Clique nos logos e saiba mais sobre os nossos parceiros:
Reconhecido exemplo prático de design inclusivo e regenerativo no âmbito corporativos é The Spheres, em Seattle, edifício da Amazon, sendo o projeto assinado por NBBJ. Este inovador ambiente de trabalho foi criado para funcionar não apenas como um escritório, mas como um refúgio natural no meio da cidade, incorporando uma variedade de plantas de todo o mundo. A ideia foi criar um ambiente que estimulasse a criatividade e a colaboração por meio da conexão com a natureza. Funcionários relataram sentir-se mais inspirados e produtivos, um testemunho do poder do ambiente físico em influenciar positivamente o estado mental e a eficiência no trabalho. A organização de distintos estímulos espaciais evidencia a validação da neurodiversidade, sendo um ambiente inclusivo e com aspectos também regenerativos, pois os colaboradores podem optar pela utilização de distintas áreas para diferentes atividades.
Projetos como esses exemplificam como o entendimento das necessidades humanas, aliado à aplicação de princípios de design baseados em evidências científicas, pode resultar em espaços que atendem a estética e funcionalidade, mas também destacam a importância de criar ambientes que respeitem a diversidade das experiências humanas, promovendo a saúde, a inclusão e a regeneração.
Profissionais renomados, como o arquiteto Frank Gehry e o neurocientista António Damásio, têm enfatizado a importância de espaços que atendam às necessidades básicas, mas também enriqueçam a experiência humana. Através da incorporação de bases da neurociência no design é possível criar ambientes que abriguem atividades humanas, promovam a saúde, o bem-estar e a felicidade.
Diante do notório reconhecimento de tais aspectos a partir de exitosas aplicações práticas, a integração da neuroarquitetura, do design inclusivo e regenerativo, neurodiversidade, assim como aspectos de aging-design/gero-design nos projetos arquitetônicos, arquitetos e designers enfrentam um conjunto complexo de desafios. Dentre estes, limitações orçamentárias podem surgir como um dos obstáculos mais significativos, frequentemente restringindo a capacidade de implementar soluções inovadoras ou tecnológicas. Além disso, as normas regulatórias existentes podem não acompanhar as inovações no campo do design, criando barreiras adicionais à implementação de novas ideias que fogem aos padrões convencionais. A falta de conscientização e compreensão sobre tais benefícios e sua eficácia também podem representar um desafio. Muitas vezes, a importância de criar espaços que promovam a saúde mental e física dos usuários é subestimada, tanto por clientes quanto por alguns profissionais da área. Isso pode levar a uma hesitação em adotar abordagens que priorizem o bem-estar dos ocupantes em detrimento de considerações estéticas ou econômicas tradicionais.
Clique nos logos e saiba mais sobre os nossos parceiros:
Apesar desses desafios, o mercado vem apresentando grandes oportunidades para inovação e pesquisa na interseção entre neurociência, arquitetura e design. A crescente base de evidências científicas sobre o impacto do ambiente construído no cérebro humano oferece um terreno fértil para o desenvolvimento de novas abordagens de design que possam melhorar a qualidade de vida. Pesquisadores como Colin Ellard, autor de "Places of the Heart: The Psychogeography of Everyday Life" (2015), têm explorado como diferentes ambientes afetam nossas emoções e comportamentos, fornecendo importantes ferramentais que podem ser aplicados efetivamente no ato do projeto. Aliado a estes aspectos, o emprego de biossensores para coleta de dados neurocientíficos quanto à experiência de uso dos espaços oferece a possibilidade de analisar o impacto potencial do design na experiência humana.
A nova jornada da arquitetura e do design sob esta ótica da neurociência aplicada a projetos é mais do que uma tendência; é uma necessidade que reflete a evolução da nossa compreensão sobre o impacto do espaço físico no bem-estar humano.
A partir dos aspectos aqui levantados, ao refletirmos sobre necessidade de qualificação dos espaços para idosos e neurodiversos, fica evidenciado que estamos diante de uma oportunidade única de redefinir o papel da arquitetura e do design na sociedade. À medida que a população mundial envelhece e se torna mais consciente das questões de neurodiversidade, a demanda por espaços que suportem todas as fases da vida e todos os tipos de habilidades só vai crescer.
A sociedade atual abre uma chamada à ação para arquitetos, designers e todos os envolvidos na criação de ambientes, incentivando-os a adotar novas práticas que estejam alinhadas com os princípios discutidos. É crucial que continuemos a explorar, inovar e aplicar as lições aprendidas com a neurociência, para que possamos projetar espaços que não apenas abriguem, mas também promovam uma vida plena e saudável.
O desafio está lançado: como podemos, enquanto comunidade de criadores e pensadores, continuar a evoluir nossas práticas para atender às complexas necessidades da sociedade? A resposta reside na nossa capacidade de pensar criticamente, de abraçar a interdisciplinaridade e de permanecer comprometidos com a pesquisa e a inovação. Ao fazer isso, não só enfrentaremos os desafios atuais, mas também construiremos o caminho para um futuro onde o design seja sinônimo de inclusão, regeneração e bem-estar para todos.
Clique nos logos e saiba mais sobre os nossos parceiros:
Nosso colunista: Lorí Crízel é Arquiteto e Urbanista | Presidente da ANFA no Brasil (Academy of Neuroscience for Architecture) | Membro da ANFA Center for Education Latin America | Autor do primeiro livro do Brasil sobre Neuroarquitetura | Senior Consultant em Neuroarquitetura do Escritório AKMX | Professor de Neuroarquitetura no POLI.Design do Instituto Politecnico di Milano/Itália | Coordenador de Pós-Graduações e dos Programas Internacionais do IPOG Brasil.
Editor-Chefe do Journal of Eco+Urbanism and Neuroarchitecture | Colunista de Neuroarquitetura para as Revistas ArchDaily e LumeArquitetura | Doutorando em Neuroarquitetura | Mestre em Conforto Ambiental | Especialista em Neurociências e Comportamento Humano
Certificações Internacionais de Design Thinking e Light Design pelo Instituto Politecnico di Milano/Itália | CEO do Escritório Lorí Crízel Arquitetos + Partners | Selo CREA/PR de Excelência em Projetos Arquitetônicos | CEO da Plataforma NEURO AI | Conselheiro CAU/PR | Mentor do Programa Design Tank Brasil | Membro Fundador do Projeto Neuro in Lab | CEO e Membro Fundador do Instituto Neuro.Bio.Design
Atividades de imersão profissional/acadêmica nos escritórios de Norman Foster (Londres), Zaha Hadid (Londres), Christian de Portzamparc (Paris), BIG (Copenhagen), Effekt Architects (Copenhagen), Concrete Architects (Amsterdã), Aires Mateus (Lisboa), Hassell Studio (Singapura), AEDAS Architecture (Singapura), Architects 61 (Singapura), Design Link Architects (Singapura), Tandem Architects (Bangkok), DBALP Jam Factory (Bangkok), X Architects (Dubai) e ODA Architecture (Nova Iorque)
Atividades Institucionais junto ao POLI.Design do Instituto Politecnico di Milano (Itália), McGill University (Canadá) e Universidade do Porto (Portugal). Instagram : @loricrizel
Comments